Polícias, seguranças e um fadista com "canudos" anulados
Quando Luís Lemos apresentou a sua candidatura à Licenciatura em Engenharia do Ambiente, dificilmente imaginou que o "canudo", afinal, poderia não valer nada. Não por culpa sua, mas sim porque a Universidade Lusófona criou um regime específico para os detentores dos antigos diplomas de "regentes agrícolas", o qual, afinal, não serve como licenciatura. Na mesma situação que aquele quadro da Autoridade Nacional de Proteção Civil estão 151 pessoas, que foram chamadas à universidade para rever as respetivas situações académicas. "Não somos todos relvices", comentou ao DN o fadista Nuno da Câmara Pereira, um dos envolvidos.
O fadista e Luís Lemos são dois dos nomes que constam de uma extensa lista de ex-alunos da Lusófona que terão de regressar aos bancos da universidade depois do chamado "caso Miguel Relvas", que envolveu suspeitas sobre a concessão da licenciatura em Ciência Política e Relações Internacional ao ex-ministro de Passos Coelho. A Inspeção Geral de Educação e Ciência (IGEC) realizou uma auditoria ao regime de equivalências da Lusófona, encontrando várias irregularidades, as quais, segundo o processo disponibilizado esta semana para consulta dos jornalistas pelo Ministério da Educação e Ciência (MEC), acabam por ser mais imputadas à instituição do que aos alunos.
"Foi depois de um conjunto de reuniões com o antigo ministro Mariano Gago que foi aberta a porta para as pessoas com o antigo curso de regente agrícola conseguirem prosseguir os estudos", recordou, ontem ao DN, Nuno da Câmara Pereira. Depois da autorização ministerial, a Lusófona aceitou receber os bacharéis. Porém, como refere um relatório da IGEC, de 12 de setembro de 2014, em vez de os integrar na licenciatura em Engenharia do Ambiente, como então chegou a ser proposto pelo reitor, foi criado o "Curso de Especialização em Ciências do Ambiente para Regentes Agrícolas".
Curso este que permitiu aos alunos obter 180 créditos, o suficiente para, de acordo com os parâmetros da Lusófona, concluir o grau de licenciado. "Eu tenho dois diplomas: um de licenciado em engenharia do Ambiente e uma pós graduação em Ciências do Ambiente", disse Câmara Pereira ao DN. "As pessoas que frequentaram o curso fizeram-no de boa fé, estudaram e passaram. Eu até tive que repetir cadeiras."
Além disso, no regime de equivalência profissional que dava no máximo 27 créditos não é especificado que cadeiras têm esta equivalência. Mas a creditação profissional implicava que "as competências e experiências profissionais declaradas correspondessem a objetivos e conteúdos do leque de unidades curriculares optativas previsto no plano do curso". O que leva a IGEC a perguntar: "Mas quais eram essas de entre 172 oferecidas?"
Outro ponto transversal a todos os cursos em que se verificou creditações académicas e profissionais é a atribuição de equivalências a disciplinas que na época não existiam nos planos de curso da Lusófona. Por exemplo, em engenharia civil, os alunos tiveram equivalência a História da Arquitetura I, II e III ou Economia, cadeiras que "nunca existiram ou funcionaram na universidade".
Neste momento, depois do MEC ter ordenado a anulação destes créditos e por isso do diploma, a universidade contactou os alunos, reviu os processos e 102 casos mostraram intenção de regularizar o seu diploma, estando a proceder à recolha dos certificados anulados e à entrega de outros já regularizados.
Como é o caso de André Gomes, ex-diretor da Polícia Municipal de Lisboa. Este oficial de carreira da PSP também acabou por ser apanhado na enxurrada que varreu a concessão de créditos por equivalências: "Apresentei o meu curriculum profissional e académico para o curso de Estudos de Segurança. Se me dissessem para fazer mais cadeiras, eu fazia-as, porque nunca necessitei do curso para progredir profissionalmente. Apenas me matriculei para me enriquecer do ponto de vista académico", disse este oficial da PSP, agora reformado. Entretanto, André Gomes diz estar à espera de um contacto da Lusófona para analisar qual a melhor forma de ultrapassar o problema com a licenciatura. "Se for preciso, volto a estudar".
Na mesma situação estão vários inspetores da Polícia Judiciária, que recorreram à Lusófona para obter o grau de licenciado. Dois dos identificados pelo DN estão já reformados da Polícia. Um terceiro, José Gonçalves Pica - um dos inspetores que investigou o caso da Universidade Moderna - trabalha atualmente no departamento de segurança da Caixa Geral de Depósitos com José Mendonça, outro aluno da Lusófona a quem foi detetado irregularidades na atribuição de equivalências. Segundo os respetivos processos de aluno, consultados esta semana pelo DN, ambos apresentaram à universidade os respetivos curricula com a formação académica e profissional na área da segurança. E foi a universidade quem lhes atribuiu as equivalências. Agora também estão na contingência de ter que voltar a estudar mais um pouco para concluir a licenciatura em Estudos de Segurança. Existem também casos em direito, gestão de empresas, arquitetura ou psicologia.